sábado, 2 de novembro de 2013

Literatura - Parnasianismo


POEMAS PARNASIANOS

DE: OLAVO BILAC

ANÁLISE DOS POEMAS

POEMA 1

PROFISSÃO DE FÉ

Não quero o Zeus Capitolino
Hercúleo e belo,
Talhar no mármore divino
Com o camartelo.

Que outro - não eu! - a pedra corte
Para, brutal,
Erguer de Atene o altivo porte
Descomunal.

Mais que esse vulto extraordinário,
Que assombra a vista,
Seduz-me um leve relicário
De fino artista.

Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.

Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.

Corre; desenha, enfeita a imagem,
A idéia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:

E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.

E horas sem conto passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.

Porque o escrever - tanta perícia,
Tanta requer,
Que oficio tal... nem há notícia
De outro qualquer.

Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!

Deusa! A onda vil, que se avoluma
De um torvo mar,
Deixa-a crescer; e o lodo e a espuma
Deixa-a rolar!

Blasfemo> em grita surda e horrendo
Ímpeto, o bando
Venha dos bárbaros crescendo,
Vociferando...

Deixa-o: que venha e uivando passe
- Bando feroz!
Não se te mude a cor da face
E o tom da voz!

Olha-os somente, armada e pronta,
Radiante e bela:
E, ao braço o escudo> a raiva afronta
Dessa procela!

Este que à frente vem, e o todo
Possui minaz
De um vândalo ou de um visigodo,
Cruel e audaz;

Este, que, de entre os mais, o vulto
Ferrenho alteia,
E, em jato, expele o amargo insulto
Que te enlameia:

É em vão que as forças cansa, e â luta
Se atira; é em vão
Que brande no ar a maça bruta
A bruta mão.

Não morrerás, Deusa sublime!
Do trono egrégio
Assistirás intacta ao crime
Do sacrilégio.

E, se morreres por ventura,
Possa eu morrer
Contigo, e a mesma noite escura
Nos envolver!

Ah! ver por terra, profanada,
A ara partida
E a Arte imortal aos pés calcada,
Prostituída!...

Ver derribar do eterno sólio
O Belo, e o som
Ouvir da queda do Acropólio,
Do Partenon!...

Sem sacerdote, a Crença morta
Sentir, e o susto
Ver, e o extermínio, entrando a porta
Do templo augusto!...

Ver esta língua, que cultivo,
Sem ouropéis,
Mirrada ao hálito nocivo
Dos infiéis!...

Não! Morra tudo que me é caro,
Fique eu sozinho!
Que não encontre um só amparo
Em meu caminho!

Que a minha dor nem a um amigo
Inspire dó...
Mas, ah! que eu fique só contigo,
Contigo só!

Vive! que eu viverei servindo
Teu culto, e, obscuro,
Tuas custódias esculpindo
No ouro mais puro.

Celebrarei o teu oficio
No altar: porém,
Se inda é pequeno o sacrifício,
Morra eu também!

Caia eu também, sem esperança,
Porém tranquilo,
Inda, ao cair, vibrando a lança,
Em prol do Estilo!

ANÁLISE

O poema inaugural da obra de Bilac, “Profissão de Fé”, expressa a adesão do poeta aos preceitos parnasianos da perfeição formal, da “arte pela arte”, do trabalho artesanal da rima, da métrica, da imagem.
A epígrafe do poema traduz-se por: “O poeta é ourives/O ourives é um poeta.” Observe já na epígrafe a aproximação da poesia aos ideais das artes plásticas (ourivesaria, pintura, escultura, arquitetura etc.)
Nesse poema, o poeta é comparado ao escultor e especialmente ao ourives, artistas que em comum têm por matéria-prima a ser transformada em Arte um material nobre e duro: pedras de alto valor, nobres tais como o mármore Carrara, o ônix, o ouro e a prata. A comparação do ato de construir o poema ao de cinzelar a pedra constitui uma alegoria do processo de criação poética, posto que possa ser decomposta em várias comparações menoresassociadas/articuladas entre si. Entre elas, à dureza das pedras corresponde a resistência da língua, a dificuldade em seu manuseio, especialmente o artístico, pois este deve atingir o grau máximo da Beleza, que é o da perfeição.
Bilac acentua a importância das palavras precisas, do cuidado com as frases e realça o polimento dos versos, para que o poema se torne uma espécie de objeto precioso, semelhante a uma jóia rara. O trabalho artesanal a que o poeta parnasiano atribui às palavras é para o autor semelhante ao do ourives, perseverante, delicado e cheio de dedicação e minuciosidade.
Outra comparação importante: à nobreza do material (pedras raras e preciosas) corresponde a nobreza dos temas e o tom da linguagem – daí que na poesia clássica não seja bem visto o riso e a galhofa típicos da comédia, admitindo-se apenas a sátira. Este rigor pode ser encontrado na forma, precisa, cujas estrofes, (todas quadras ou quartetos) apresentam rimas consoantes alternadas entre os versos pares e ímpares assim como apresentam metros alternados: octassílabos e tetrassílabos; o número de versos por estrofe (quatro) e metros utilizados são pares, o que se explica pelo fato da paridade conferir simetria e equilíbrio ao texto - e equilíbrio e simetria são expressões do Ideal de Beleza clássico.

POEMA 2

A UM POETA
O rigor apontado em "Profissão de fé" também se encontra no soneto bilaquiano “A um poeta”, o qual apresenta a mesma alegoria para expressar as concepções de Arte e do fazer poético, visto que ao poeta cabe escrever seu verso, assim, como um escultor ou um ourives trabalha com suas pedras, buscando o relevo, a perfeição e servindo à Deusa Forma. A diferença é que o sujeito que agora “lima” o verso não é esse ourives, nem o escultor, mas o monge beneditino em seu claustro. Nesta alegoria, o monge personifica a perseverança e a paciência, assim como a pureza, o equilíbrio e a razão. Pureza, equilíbrio e racionalidade que se materializam na forma do tradicional soneto clássico italiano (que teve em Petrarca seu primeiro mestre) e no controle/domínio das paixões.

Veja o poema

A UM POETA

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego

Não se mostre na fábrica o suplicio
Do mestre. E natural, o efeito agrade
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.

ANÁLISE

O poeta, quando está escrevendo seus versos, deve encontrar um lugar tão sossegado e silencioso como um mosteiro, haja vista que o turbilhão da rua impede o ato de criação, pois é estéril. O último verso, da primeira estrofe, mostra que, para alcançar a forma perfeita, faz-se necessário trabalhar bem com o objeto da poesia, isto é, a palavra.
A ideia de moldar, perfeitamente, a forma, estende-se na segunda quadra. Todavia, o sujeito lírico adverte que o resultado final, isto é, a conclusão do poema, deve ocultar todo esforço que o poeta empregou na construção dos versos. Nesse sentido, o eu lírico compara a forma perfeita a de um templo grego. Eis, desse modo, a ligação com os clássicos, que aparece, não somente na estrutura do texto (a forma dum soneto), mas também, explicitamente, num dos versos.
O primeiro terceto traz o ato de criação, comparado a um extremo sofrimento, jamais deve, na visão do sujeito lírico, transparecer no resultado final. A forma é tudo; o edifício não pode conter marcas do andaime. Em outras palavras, a forma perfeita deve ser leve, natural, as dificuldades de sua construção não podem ser vistas.
Nos três versos finais, o belo é o sinônimo de verdade; logo a forma perfeita é, para os poetas parnasianos, a única maneira de construir uma poesia bela e verdadeira. Desviar-se do culto à forma seria, desse modo, um erro. Em suma, poder-se-ia dizer que “o último verso sintetiza de modo admirável o ideal parnasiano de perfeição formal, pois conjuga elementos clássicos de equilíbrio, de harmonia” (BASTOS, 2004, p. 72).
É importante salientar que a beleza de que nos fala o poeta só pode tratar-se da beleza estética que acompanha a obra de arte. Esta beleza, segundo o poeta, é “gêmea da Verdade”, logo, não pode tratar-se de uma verdade histórica, dotada de verdade.
Na concepção dos parnasianos o conceito da poesia está muito ligado a visão “arte pela arte”, ou seja, a pretensão da universalidade através da utilização de uma linguagem objetiva que promove a contenção dos sentimentos e também a excessiva busca pela perfeição formal. O poeta modernista Oswald de Andrade sintetiza muito bem essa característica parnasiana quando diz que: "Só não se inventou uma máquina de fazer versos- já que havia o poeta parnasiano”.

POEMA 3

VILA RICA

O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelus plange ao longe em doloroso dobre,
O último ouro do sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema-unção.

Agora, para além do cerro, o céu parece
Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu...
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,

Como uma procissão espectral que se move...
Dobra o sino... Soluça um verso de Dirceu...
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.

ANÁLISE

Além de várias figuras de linguagem - comparação, metáfora, metonímia, personificação, inversão etc. -, o poema é rico em sugestões sonoras, como o baladar do sino sugerido pelos fonemas nasais e pela aliteração do fonema /jê/ no 1º verso da 2ª estrofe. Além disso, há várias sugestões cromáticas relacionadas ao ouro (luz do sol e do ouro das minas) e ao negro (da noite, do passado e do próprio nome da cidade). É possível notar também as oposições existentes no poema, que reforçam o contraste entre passado e presente, riqueza e pobreza, dia e noite, o passado glorioso e o presente humilde.
No “soluçar” do verso de Dirceu, a repetição do fonema /s/ na última estrofe, ao mesmo tempo em que lembra um choro, sugere também os sofrimentos amorosos de Marília e Dirceu e dos inconfidentes mineiros, apenas sugerindo, nunca enchendo o texto de sentimentalismo e subjetivismo exacerbado. Trata-se, portanto, de um poema que consegue unir técnicas de construção a um rico conteúdo histórico - qualidades que nem sempre foram alcançadas pelos parnasianos. Assim, em Vila rica Bilac mostra a objetividade parnasiana evoluindo para uma postura mais intimista e subjetiva.

POEMA 4

ABYSSUS

Bela e traidora! Beijas e assassinas...
Quem te vê não tem forças que te oponha
Ama-te, e dorme no teu seio, e sonha,
E, quando acorda, acorda feito em ruínas...

Seduzes, e convidas, e fascinas,
Como o abismo que, pérfido, a medonha
Fauce apresenta florida e risonha,
Tapetada de rosas e boninas.

O viajor, vendo as flores, fatigado
Foge o sol, e, deixando a estrada poenta,
Avança incauto... Súbito, esbroado,

Falta-lhe o solo aos seus pés: recua e corre,
Vacila e grita, luta e se ensanguenta,
E rola, e tomba, e se espedaça, e morre...

ANÁLISE

Uma associação insólita entre beleza e traição é a base para a construção do poema “Abyssus”, abismo, em latim. O soneto é todo elaborado a partir de uma comparação que, evocada no título, é apresentada na segunda estrofe.
A mulher, descrita no primeiro verso por meio de características aparentemente incompatíveis (“bela e traidora”) e que promete o amor ao amante, é comparada ao abismo, que representa, alegoricamente, seu poder de destruição. O homem sem forças para evitar o envolvimento emocional, entrega-se e quando ele se percebe numa armadilha já se encontra totalmente destruído.
A força da traição feminina é representada pela maneira como o viajante é seduzido pela aparência “florida e risonha” da fauce, pela delicadeza das “rosas e das boninas”. Quando ele se aproxima do abismo, porém, não percebe a fragilidade do solo, que se desfaz debaixo de seus pés, levando-a a morte.
O poema sugere que a mulher e abismo têm o mesmo poder: depois de seduzir os homens, que lutam para se libertar, arrastam todos para a destruição.
A última estrofe, constituída essencialmente de verbos, apresenta a dramática luta metafórica do homem, vítima incauta da sedução feminina, contra a sua morte certeira. Ainda utilizando-se da metáfora do abismo, o homem segue em direção à mulher, mas quando percebe estar se perdendo, tenta a todo custo escapar de seus encantos, até que não há mais jeito e acaba-se por se deixar levar pela paixão.
Esse soneto é um belo exemplo de como os poetas parnasianos transformam a linguagem em expressão da arte mais pura.

POEMA 5

INANIA VERBA

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
— Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...

O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Ideia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!

ANÁLISE

O título do poema, “Inania Verba”, cujo idioma é o latim, significa “palavras inúteis”, explica a dificuldade encontrada pelo eu lírico em traduzir os sentimentos através de palavras. As palavras não os contêm, pois são “vazias”, “frívolas”, “pesadas”.
Nos versos iniciais, o eu lírico resume a angústia de conter em uma forma perfeita e fria as ideias arrebatadoras. Assim, o poeta dirige-se à sua própria alma como uma entidade impotente e escrava das formas que não conseguem traduzir os seus sentimentos. Isso gera para ele uma sensação de dor que é equiparada à mesma que Cristo sofreu quando foi pregado na cruz (vide o verso 3 do primeiro quarteto).
O último verso da primeira quadra complementa o pensamento de impotência, visto que o ideal do sujeito-lírico transforma-se em lodo, isto é, as ideias do movimento parnasianista que tanto o deslumbravam, agora, estão degradados.
No segundo quarteto valendo-se de uma metáfora, diz que “O Pensamento” é um “turbilhão de lava”, uma ideia leve,/que, perfuma e clarão, refulgia e voava”. A Forma é um “sepulcro de neve”, “fria e espessa”, “palavra pesada”.
As imagens mostram que a forma é uma espécie de prisão do pensamento; este fervilha, carregado de emoções, enquanto a Forma esfria-o e sepulta-o. Por meio das antíteses (turbilhão de lava/sepulcro de neve, palavra pesada/ideia leve), o poeta torna mais evidente a angústia da criação, a dificuldade de encontrar as palavras exatas para expressar sentimentos e emoções que costumam ser indescritíveis.
Interessante notar que o contraponto que o poeta faz nesse quarteto, vale-se do fogo e da água, essa última em seu estado sólido enterra a capacidade criativa do poeta. No terceiro verso da aludida quadra, fala da impossibilidade da palavra traduzir as ideias, a primeira é pesada e a segunda é leve. Isso evidencia, por exemplo, a incapacidade de traduzir, com perfeição formal, os pensamentos em palavras.
O primeiro terceto abre-se com uma indagação: “Quem o molde achará para a expressão de tudo?” E no seguinte, há um lamento, dado que é achar uma expressão para tudo é impossível. Esse aspecto ganha força no decorrer do primeiro e do segundo terceto.
A poesia patriótica tem em Bilac, alguns momentos expressivos. Apoiado na tradição ufanista assumiu conscientemente o papel de poeta cívico, exaltando a pátria, sua língua, seus símbolos e heróis engajando-se nas causas cívicas de seu tempo.

POEMA 6
Neste soneto, Bilac coroa o a  “Língua Portuguesa”.

LÍNGUA PORTUGUESA

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

ANÁLISE

Nesse soneto, Olavo Bilac faz uma abordagem sobre o histórico da língua portuguesa, tema já tratado por Camões. Partindo para uma análise semântica do texto literário, observa-se que o poeta, com a metáfora “Última flor do Lácio, inculta e bela”, refere-se ao fato de que a língua portuguesa ter sido a última língua neolatina formada a partir do latim vulgar – falado pelos soldados da região italiana do Lácio.
No segundo verso, há um paradoxo: “És a um tempo, esplendor e sepultura”. “Esplendor”, porque uma nova língua estava ascendendo, dando continuidade ao latim. “Sepultura” porque, a partir do momento em que a língua portuguesa vai sendo usada e se expandindo, o latim vai caindo em desuso, “morrendo”.
No terceiro e quarto verso, “Ouro nativo, que na ganga impura / A bruta mina entre os cascalhos vela”, o poeta exalta a língua que ainda não foi lapidada pela fala, em comparação às outras também formadas a partir do latim.
O poeta enfatiza a beleza da língua em suas diversas expressões: oratórias, canções de ninar, emoções, orações e louvores: “Amo-te assim, desconhecida e obscura,/ Tuba de alto clangor, lira singela”. Ao fazer uso da expressão “O teu aroma/ de virgens cegas e oceano largo”, o autor aponta a relação subjetiva entre o idioma novo, recém-criado, e o “cheiro agradável das virgens selvas”, caracterizando as florestas brasileiras ainda não exploradas pelo homem branco. Ele manifesta a maneira pela qual a língua foi trazida ao Brasil – através do oceano, numa longa viagem de caravela – quando encerra o segundo verso do terceto.
Ainda expressando o seu amor pelo idioma, agora através de um vocativo, “Amo-te, ó rude e doloroso idioma”, Olavo Bilac alude ao fato de que o idioma ainda precisava ser moldado e, impor essa língua a outros povos não era um tarefa fácil, pois implicou em destruir a cultura de outros povos.
No último terceto, para finalizar, quando o autor diz: “Em que da voz materna ouvi: “meu filho!/ E em que Camões chorou, no exílio amargo/ O gênio sem ventura e o amor sem brilho”, ele utiliza uma expressão fora da norma (“meu filho”) e refere-se a Camões, quem consolidou a língua portuguesa no seu célebre livro “Os Lusíadas”, uma epopeia que conta os feitos grandiosos dos portugueses durante as “grandes navegações”, produzida quando esteve exilado, aos 17 anos, nas colônias portuguesas da África e da Ásia. Desce exílio, nasceu “Os Lusíadas”, uma das oitavas epopeias do mundo.
Os momentos melhor realizados da lírica amorosa de Bilac são os que marcam certo distanciamento do formalismo parnasiano e do tecnicismo intensivo. Quando Bilac se afasta do sensualismo retórico e declamatório, consegue uma poesia altamente comunicativa, eivada de matizes românticos. É exatamente esse resíduo romântico que aproxima o poeta do gosto do brasileiro médio, por meio dos “ganchos” emocionais que vão capturando a sensibilidade do leitor.

POEMA 7
VIA LÁCTEA
Em “Via-Láctea”, o tom lamentoso das coisas do amor, misto de certo donjuanismo e de alguma sensibilidade confessional, Bilac assume uma postura nitidamente neorromântica, superando a atitude intelectualizante do Parnasianismo. “Alma Inquieta” e “Tarde” são desdobramentos dessa vertente mais espiritualizada e sóbria do poeta, menos preocupada com as rimas raras e com as lantejoulas vocabulares.

VIA LÁCTEA

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas"

ANÁLISE

Nesse poema, Bilac defende a importância de expressar os sentimentos. No segundo quarteto, o poeta compara a nebulosa a que pertence o nosso sistema (“Via-Láctea”) à cobertura dos santos em procissão (“pélio”), como se o céu protegesse o poeta. Dessa forma, fica enfatizada a proximidade entre ele e as estrelas.
Os belos versos finais que arrematam de modo inesquecível o soneto trazem o segredo para ouvir as estrelas, simplesmente amar.

POEMA 8

NEL MEZZO DEL CAMAIN...

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo

Nel mezzo del camin de nostra vita
mi retrovai por una selva oscura:
ché la viritta via era smarrita

A meio caminho de nossa vida
fui me encontrar em uma selva escura:
estava a reta a minha via perdida.

ANÁLISE

O título “Nel Mezzo Del Camin...” (“no meio do caminho”) dialoga com “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, através da intertextualidade do primeiro verso desta obra, que fala dos trinta e cinco anos do poeta italiano, da “metade do caminho da vida”, da incompletude metaforizada pela “selva escura”.

A sua interpretação pode ser (entre outras) a de obstáculo a ser transposto na viagem rumo à revelação da Verdade Divina ou rumo ao destino, momento de encontro do poeta caminhante (protagonista do poema épico, posto ser uma narrativa da sua aventura na travessia dos círculos do Inferno) consigo mesmo - viagem ao interior de si cujo movimento subjetivo de mergulho no Ser é da ordem do lírico. Aliás, especialmente lírico é o final, momento do clímax, onde temos o encontro do poeta com seu amor, Beatriz, que lhe aparece envolta em luz, num estado de beatitude.
O soneto “Nel Mezzo Del Camin...” se desdobra em três segmentos muito bem caracterizados: o encontro amoroso; a intensidade da vivência amorosa e a separação sugerida pela recordação das mãos unidas em tempo passado e agora afastadas. Dessa forma, o tema se desenvolve entre amor e dor, entrega e separação.
O texto segue a forma fixa do soneto, com rimas externas (cruzadas e alternadas) e versos decassílabos.
Observa-se, também o quiasmo (figura de estilo de repetições invertidas de termos que se cruzam), retratando o dualismo existencial (encontro X separação) e o paralelismo na primeira estrofe.
Na segunda estrofe, nota-se a sonoridade do primeiro verso e o enjambement ao fim de cada verso criando um relaxamento da tensão, que vinha crescendo desde o primeiro verso até o momento da parada súbita.
No primeiro terceto é interessante observar a cesura após "novo" (no primeiro verso), o enjambement entre esse verso e o seguinte, e o fato de que o sujeito lírico deixa de falar sobre ele e a amada (eu + ela = nós) e passa a falar exclusivamente dela.
Note-se a "dureza" da pessoa que parte, que não demonstra sofrer (aos olhos do sujeito lírico) a dor da separação na medida em que não chora nem demonstra se comover com a despedida.
No terceto final, o eco do som da sílaba [ter] pode ser interpretado como um registro sonoro do tremor da voz do sujeito-lírico, que possivelmente está quase a soluçar, após a partida da amada. Ainda é interessante observar outro aspecto no nível fônico desta estrofe final: a aliteração do fonema [k] (letras q e c) parece representar o som forte das passadas da mulher que se afasta friamente, aparentemente impassível frente á dor do sujeito-lírico.

POEMA 9
TERCETOS
Em “Tercetos”, Bilac lançou mão da Terça Rima, isto é, criou estrofes de três versos onde o primeiro verso rima com o terceiro, e o segundo, por sua vez, rimará com o primeiro e o último da estrofe seguinte.
Os versos decassílabos trazem as súplicas de um eu lírico que insiste em não abandonar o quarto da amada.
O ensaísta francês Rolland Barthes, numa página firme e aguda, mostra que o verdadeiro espírito erótico está no esconder-se para melhor excitar. A nudez, descarnada, a apologia direta do sexo, com esquemas mecânicos de solicitação e repulsa, é produto de uma certa inabilidade de Bilac, que, aliás, lhe deu a imerecida fama de poeta “erótico”.
Na verdade, ele fantasia uma pequena comédia sexual que só não chega ao vulgar porque o poeta utiliza um vocabulário excessivamente nobilitante e formalista para causar o impacto de “Eros”.

TERCETOS

Noite ainda, quando ela me pedia
Entre dois beijos que me fosse embora,
Eu, como os olhos em lágrimas, dizia:

“Espera ao menos que desponte a aurora!
Tua alcova é cheirosa como um ninho…
E olha que escuridão há lá por fora!

Como queres que eu vá, triste e sozinho,
Casando a treva e o frio de meu peito
Ao frio e à treva que há pelo caminho?

Ouves? é o vento! é um temporal desfeito!
Não me arrojes à chuva e à tempestade!
Não me exiles do vale do teu leito!

Morrerei de aflição e de saudade…
Espera! até que o dia resplandeça,
Aquece-me com a tua mocidade!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava…
Espera um pouco! deixa que amanheça!”

— E ela abria-me os braços. E eu ficava.

E, já amanhã quando ela me pedia
Que de seu claro corpo me afastasse,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

“Não pode ser! não vês que o dia nasce?
A aurora, em fogo e sangue, as nuvens corta…
Que diria de ti quem me encontrasse?

Ah! nem me digas que isso pouco importa!…
Que pensariam, vendo-me, apressado,
Tão cedo assim, saindo a tua porta.

Vendo-me exausto, pálido, cansado,
E todo pelo aroma de teu beijo
Escandalosamente perfumado?

O amor, querida, não exclui o pejo…
Espera! até que o sol desapareça,
Beija-me a boca! mata-me o desejo!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava!
Espera um pouco! deixa que anoiteça!”

— E ela abria-me os braços. E eu ficava.

ANÁLISE

Observe o relato das experiências carnais, extravagante e excessivo, para uma poesia que se pretendia fiel aos fatos. Depois, a intimidade, no amor transfigurado em poesia, precisa de um certo halo de censura para vibrar mais sincera e contagiantemente.
A boa poesia de pulsões eróticas aproveita poucas coisas do mundo exterior aos amantes, pois nela o fundamental é o sentimento e a sobriedade. Depois, o poeta divulga seus prazeres como se quisesse auto afirmar-se ou despertar inveja, o que não condiz com a ética amorosa do galanteador, nem com sua estratégia.
O discurso amoroso apoiado em apelos exteriores ao universo dos amantes, desprovido do intimismo, perde a força.
O pior, neste poema, não é o vocabulário, nem a sintaxe, nem o ritmo e nem o tema. O pior é a concepção subliminarmente narcisista e coisificada do amor, principalmente, no verso “Beija-me a boca! mata-me o desejo!”, que o poeta instrumentaliza a amada, quando esta é que deveria ser o sujeito atuante de toda irradiação erótica, não o objeto inerte através do qual o poeta dá um show de desvairismo exibicionista.


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