quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Da variação linguística aos diferentes níveis de linguagem

Variação Linguística

A língua não é una (com N mesmo), ou seja, não é indivisível; ela pode ser considerada um conjunto de dialetos. Alguém já disse que em país algum se fala uma língua só. Há várias línguas dentro da oficial. E no Brasil não é diferente. Cada região tem seus falares, cada grupo sociocultural tem o seu. Pode-se até afirmar que cada cidadão tem o seu. A essa característica da Língua damos o nome de variação linguística.
Qualquer cidadão, quando resolve emitir algumas palavras, faz isso não isoladamente. As frases ditas por cada um de nós não são construídas por nós próprios, mas sim por tudo o que nos fez tornar o que somos hoje: nossa família, a terra em que nascemos e em que vivemos, as escolas em que estudamos (principalmente nas séries iniciais), as pessoas com as quais convivemos, os livros que lemos, os filmes a que assistimos, enfim, nossa maneira de falar é formada, não é criada. E é formada pouco a pouco. Aliás, nunca é totalmente acabada. Imagine um idoso que nunca aprendeu a ler nem a escrever entrando em contato com as letras; seu mundo se transformará. Ele se apoderará de um conhecimento nunca antes imaginado. Passará a usar expressões desconhecidas até então e se tornará um cidadão de fato. O mesmo acontece com os indivíduos que aprenderam a ler e a escrever, mas que não leem nem escrevem jamais. Se passarem a entrar em contato com o mundo das letras, por meio de romances, contos, textos filosóficos e poesias, transformarão sua visão de mundo e passarão a ter um novo falar, uma vez que terão o que falar: aquilo que leram.
A variação linguística mais evidente é a que corresponde ao lugar em que o cidadão nasceu ou no qual vive há bastante tempo. Há jeitos de pronunciar as palavras, há melodias frasais diferentes de região para região. A variação mais famosa do Brasil é o “s” chiante do carioca da gema.
Antes de continuar, um adendo ao que acabei de escrever: o adjetivo “chiante” não é depreciativo ao modo de falar do carioca, e sim um termo usado na fonologia – ou fonética – que representa um som cujo ponto de articulação é pré-palatal, como ocorre nas palavras “chá” e “já”. É assim que o carioca pronuncia o “s”. E a locução “da gema”? Você sabe o significado dela? É o mesmo que “sem mistura, genuíno, puro”. Carioca da gema, portanto, é o cidadão nascido na cidade do Rio de Janeiro; não aquele que para lá foi e lá vive há muitos anos.
Voltemos à variação linguística, então: dizia eu que a mais famosa é o “s” chiante do carioca. É a mais famosa, mas não é a única. Outra bastante perceptível pelo visitante é o “r” retroflexo do londrinense quando pronuncia palavras como “porta, carne, certo” e do piracicabano quando pronuncia as mesmas palavras do londrinense e também as que têm “r” entre vogais: “cara, cera, tora”. Retroflexo significa “curvado para trás, flexionado para trás”. É o que acontece com a língua quando ocorre a pronúncia das palavras apresentadas: a ponta dela é flexionada para trás, às vezes até exageradamente. É uma pronúncia idêntica à de “car” em Inglês.
Também o “l” (ele), na região de Pato Branco, PR, que é alveolar, mesmo antes de consoante e no final da palavra. Alveolar é o nome dado à consoante que, quando pronunciada, é articulada com a ponta da língua próxima ou em contato com os alvéolos dos dentes incisivos superiores. Na região de Pato Branco, pronuncia-se o “ele” de “alto” da mesma forma que o “ele” de “alô”.
A essa variação, que corresponde ao lugar, dá-se o nome de variação diatópica. Essa palavra é formada pelos seguintes elementos:
“dia-“, prefixo grego que significa “através de, por meio de, por causa de”;
“topos”, radical grego que significa “lugar”;
“-ico”, sufixo grego, que forma adjetivos.
A variação diatópica pode ocorrer, como vimos no parágrafo anterior, com sons diferentes. Quando isso acontecer, dizemos que ocorreu uma variação diatópica fonética, já que fonética significa “aquilo que diz respeito aos sons da fala.
A diferença, porém, pode não ser de som, mas sim de vocabulário, ou seja, de palavras diferentes em sua estrutura. Por exemplo, em Curitiba, PR, os jovens chamam de “penal” o estojo escolar para guardar canetas e lápis; no Nordeste, é comum usarem a palavra “cheiro” para representar um carinho feito em alguém; o que em outras regiões se chamaria de “beijinho”. Macaxeira, no Norte e no Nordeste, é a mandioca ou o aipim. Essa variação denominamos de variação diatópica lexical, já que lexical significa “relativo a vocabulário”.
A diferença pode não ser de som nem de vocabulário. Pode estar na estrutura frasal, ou seja, na frase toda. Em algumas regiões brasileiras é comum a utilização do pronome “tu”; em outras, não. No Maranhão, no Espírito Santo e no Rio Grande do Sul, um cidadão diria o seguinte: “Tu já estudaste Química?”. Na maioria dos outros estados, o cidadão diria assim: “Você já estudou Química”? A essa variação chamamos de variação diatópica sintática, já que “sintático” significa “parte da gramática que estuda as palavras enquanto elementos de uma frase”.
Outra variação bastante evidente também é a que corresponde à camada social da qual o indivíduo faça parte. O falar de um cidadão é subordinado ao nível socioeconômico e cultural dele. Quanto mais estudo tiver, mais bem trabalhadas serão suas frases. Quanto mais livros ler, mais cultura terá. Quanto mais exemplos tiver de seus pais e professores, mais facilmente se comunicará com os demais.
Essa variação, no Brasil, é facilmente identificada. Basta conversar com um cidadão humilde, com poucos anos de estudos, que já perceberá uma linguagem diferente da habitual de outras classes sociais. Frases como “Naonde a gente podemos ponhar esse troço aqui?” ou como “Houveram menas percas” não são ouvidas em um ambiente em que estejam professores, médicos, cientistas, advogados, etc. São frases comuns a quem não teve oportunidades para ascender a estratos sociais mais privilegiados.
A essa variação, que corresponde ao estrato social, à camada social e cultural do indivíduo, dá-se o nome de variação diastrática. Essa palavra é formada pelos seguintes elementos:
“dia-“, prefixo grego que significa “através de, por meio de, por causa de”;
“estrato”, radical latino que significa “camada”;
“-ico”, sufixo grego, que forma adjetivos.
A variação diastrática, como também ocorre com a diatópica, pode ser fonética, lexical e sintática, dependendo do que seja modificado pelo falar do indivíduo: falar “adevogado”, “pineu”, “bicicreta”, é variação diastrática fonética. Usar “presunto” no lugar de “corpo de pessoa assassinada” é variação diastrática lexical. E falar “Houveram menas percas” no lugar de “Houve menos perdas” é variação diastrática sintática.
A última variação, não menos importante que as anteriores, é a que corresponde à licença que cada um de nós tem para falar e escrever o que bem entender da maneira que quiser. É a que permite um cidadão extremamente culto usar informalmente a expressão “Eu encontrei ele” no lugar de “Eu o encontrei”. É a linguagem informal, solta, às vezes até desleixada.
Principalmente o jovem tem o hábito de usar essa variação. É bastante comum ouvirmos um “veio”, com o e aberto, numa conversa entre adolescentes ou um “mano” na alta sociedade. É comum também essa variação na linguagem caseira, em que pai, mãe e filhos não estão preocupados com a comunicação dentro da norma padrão, ou na linguagem descontraída de uma roda de amigos. Outra modalidade desta variação ocorre na Literatura, na qual o autor de poesias, contos, romances, novelas, etc. tem a liberdade de cometer deslizes, de inventar palavras, de recriar estruturas sintáticas, enfim, tem liberdade para aplicar seu estilo em seus escritos. Isso tem até nome: licença poética ou liberdade poética.
A essa variação, que corresponde à liberdade de expressão, dá-se o nome de variação diafásica. Essa palavra é formada pelos seguintes elementos:
“dia-“, prefixo grego que significa “através de, por meio de, por causa de”;
“phasys”, radical grego que significa “expressão”;
“-ico”, sufixo grego, que forma adjetivos.
A variação diafásica, como ocorreu com a diatópica e com a diastrática, pode ser também fonética, lexical e sintática, dependendo da liberdade de que o indivíduo tenha se apossado. Dizer “veio”, com o e aberto, não porque more em determinado lugar nem porque todos de sua camada social usem, é usar a variação diafásica fonética. Um padre, em um momento de descontração, brincando com alguém, dizer “presunto” para representar o “corpo de pessoa assassinada”, é usar a variação diafásica lexical. E, finalmente, um advogado dizer “Encontrei ele”, também num momento de descontração, no lugar de “Encontrei-o” é usar a variação diafásica sintática.


NÍVEIS DE LINGUAGEM

A língua é um código de que se serve o homem para elaborar mensagens, para se comunicar.
Existem basicamente duas modalidades de língua, ou seja, duas línguas funcionais:
1) a língua funcional de modalidade culta, língua culta ou língua-padrão, que compreende a língua literária, tem por base a norma culta, forma lingüística utilizada pelo segmento mais culto e influente de uma sociedade. Constitui, em suma, a língua utilizada pelos veículos de comunicação de massa (emissoras de rádio e televisão, jornais, revistas, painéis, anúncios, etc.), cuja função é a de serem aliados da escola, prestando serviço à sociedade, colaborando na educação, e não justamente o contrário;
2) a língua funcional de modalidade popular; língua popular ou língua cotidiana, que apresenta gradações as mais diversas, tem o seu limite na gíria e no calão.
Norma culta:
A norma culta, forma lingüística que todo povo civilizado possui, é a que assegura a unidade da língua nacional. E justamente em nome dessa unidade, tão importante do ponto de vista político-cultural, que é ensinada nas escolas e difundida nas gramáticas.
Sendo mais espontânea e criativa, a língua popular se afigura mais expressiva e dinâmica. Temos, assim, à guisa de exemplificação:
Estou preocupado. (norma culta)
Tô preocupado. (língua popular)
Tô grilado. (gíria, limite da língua popular)
Não basta conhecer apenas uma modalidade de língua; urge conhecer a língua popular, captando-lhe a espontaneidade, expressividade e enorme criatividade, para viver; urge conhecer a língua culta para conviver.
Podemos, agora, definir gramática: é o estudo das normas da língua culta.
O conceito de erro em língua:
Em rigor, ninguém comete erro em língua, exceto nos casos de ortografia. O que normalmente se comete são transgressões da norma culta. De fato, aquele que, num momento íntimo do discurso, diz: "Ninguém deixou ele falar", não comete propriamente erro; na verdade, transgride a norma culta.
Um repórter, ao cometer uma transgressão em sua fala, transgride tanto quanto um indivíduo que comparece a um banquete trajando xortes ou quanto um banhista, numa praia, vestido de fraque e cartola.
Releva considerar, assim, o momento do discurso, que pode ser íntimo, neutro ou solene.
O momento íntimo é o das liberdades da fala. No recesso do lar, na fala entre amigos, parentes, namorados, etc., portanto, são consideradas perfeitamente normais construções do tipo:
Eu não vi ela hoje.
Ninguém deixou ele falar.
Deixe eu ver isso!
Eu te amo, sim, mas não abuse!
Não assisti o filme nem vou assisti-lo.
Sou teu pai, por isso vou perdoá-lo.
Nesse momento, a informalidade prevalece sobre a norma culta, deixando mais livres os interlocutores.
O momento neutro é o do uso da língua-padrão, que é a língua da Nação. Como forma de respeito, tomam-se por base aqui as normas estabelecidas na gramática, ou seja, a norma culta. Assim, aquelas mesmas construções se alteram:
Eu não a vi hoje.
Ninguém o deixou falar.
Deixe-me ver isso!
Eu te amo, sim, mas não abuses!
Não assisti ao filme nem vou assistir a ele.
Sou seu pai, por isso vou perdoar-lhe.
Considera-se momento neutro o utilizado nos veículos de comunicação de massa (rádio, televisão, jornal, revista, etc.). Daí o fato de não se admitirem deslizes ou transgressões da norma culta na pena ou na boca de jornalistas, quando no exercício do trabalho, que deve refletir serviço à causa do ensino, e não o contrário.
O momento solene, acessível a poucos, é o da arte poética, caracterizado por construções de rara beleza.
Vale lembrar, finalmente, que a língua é um costume. Como tal, qualquer transgressão, ou chamado erro, deixa de sê-lo no exato instante em que a maioria absoluta o comete, passando, assim, a constituir fato lingüístico registro de linguagem definitivamente consagrado pelo uso, ainda que não tenha amparo gramatical.
Exemplos:
Olha eu aqui! (Substituiu: Olha-me aqui!)
Vamos nos reunir. (Substituiu: Vamo-nos reunir.)
Não vamos nos dispersar. (Substituiu: Não nos vamos dispersar e Não vamos dispersar-nos.)
Tenho que sair daqui depressinha. (Substituiu: Tenho de sair daqui bem depressa.)
O soldado está a postos. (Substituiu: O soldado está no seu posto.)
Têxtil, que significa rigorosamente que se pode tecer, em virtude do seu significado, não poderia ser adjetivo associado a indústria, já que não existe indústria que se pode tecer. Hoje, porém, temos não só como também o operário têxtil, em vez da indústria de fibra têxtil e do operário da indústria de fibra têxtil.
As formas impeço, despeço e desimpeço, dos verbos impedir, despedir e desimpedir, respectivamente, são exemplos também de transgressões ou "erros" que se tornaram fatos lingüísticos, já que só correm hoje porque a maioria viu tais verbos como derivados de pedir, que tem, início, na sua conjugação, com peço. Tanto bastou para se arcaizarem as formas então legítimas impido, despido e desimpido, que hoje nenhuma pessoa bem-escolarizada tem coragem de usar.
Em vista do exposto, será útil eliminar do vocabulário escolar palavras como corrigir e correto, quando nos referimos a frases. "Corrija estas frases" é uma expressão que deve dar lugar a esta, por exemplo: "Converta estas frases da língua popular para a língua culta".
Uma frase correta não é aquela que se contrapõe a uma frase "errada"; é, na verdade, uma frase elaborada conforme as normas gramaticais; em suma, conforme a norma culta.


Língua escrita e língua falada. Nível de linguagem:
A língua escrita, estática, mais elaborada e menos econômica, não dispõe dos recursos próprios da língua falada.
A acentuação (relevo de sílaba ou sílabas), a entoação (melodia da frase), as pausas (intervalos significativos no decorrer do discurso), além da possibilidade de gestos, olhares, piscadas, etc., fazem da língua falada a modalidade mais expressiva, mais criativa, mais espontânea e natural, estando, por isso mesmo, mais sujeita a transformações e a evoluções.
Nenhuma, porém, se sobrepõe a outra em importância. Nas escolas principalmente, costuma se ensinar a língua falada com base na língua escrita, considerada superior. Decorrem daí as correções, as retificações, as emendas, a que os professores sempre estão atentos.
Ao professor cabe ensinar as duas modalidades, mostrando as características e as vantagens de uma e outra, sem deixar transparecer nenhum caráter de superioridade ou inferioridade, que em verdade inexiste.
Isso não implica dizer que se deve admitir tudo na língua falada. A nenhum povo interessa a multiplicação de línguas. A nenhuma nação convém o surgimento de dialetos, conseqüência natural do enorme distanciamento entre uma modalidade e outra.
A língua escrita é, foi e sempre será mais bem-elaborada que a língua falada, porque é a modalidade que mantém a unidade lingüística de um povo, além de ser a que faz o pensamento atravessar o espaço e o tempo. Nenhuma reflexão, nenhuma análise mais detida será possível sem a língua escrita, cujas transformações, por isso mesmo, se processam lentamente e em número consideravelmente menor, quando cotejada com a modalidade falada.
Importante é fazer o educando perceber que o nível da linguagem, a norma lingüística, deve variar de acordo com a situação em que se desenvolve o discurso.
O ambiente sociocultural determina. O nível da linguagem a ser empregado. O vocabulário, a sintaxe, a pronúncia e até a entoação variam segundo esse nível. Um padre não fala com uma criança como se estivesse dizendo missa, assim como uma criança não fala como um adulto. Um engenheiro não usará um mesmo discurso, ou um mesmo nível de fala, para colegas e para pedreiros, assim como nenhum professor utiliza o mesmo nível de fala no recesso do lar e na sala de aula.
Existem, portanto, vários níveis de linguagem e, entre esses níveis, se destacam em importância o culto e o cotidiano, a que já fizemos referência.
A gíria:
Ao contrário do que muitos pensam, a gíria não constitui um flagelo da linguagem. Quem, um dia, já não usou bacana, dica, cara, chato, cuca, esculacho, estrilar?
O mal maior da gíria reside na sua adoção como forma permanente de comunicação, desencadeando um processo não só de esquecimento, como de desprezo do vocabulário oficial. Usada no momento certo, porém, a gíria é um elemento de linguagem que denota expressividade e revela grande criatividade, desde que, naturalmente, adequada à mensagem, ao meio e ao receptor. Note, porém, que estamos falando em gíria, e não em calão.
Ainda que criativa e expressiva, a gíria só é admitida na língua falada. A língua escrita não a tolera, a não ser na reprodução da fala de determinado meio ou época, com a visível intenção de documentar o fato, ou em casos especiais de comunicação entre amigos, familiares, namorados, etc., caracterizada pela linguagem informal.

Referência Bibliográfica:


COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes.




Os diferentes níveis de linguagem

            Você já deve ter observado que a língua portuguesa não é falada do mesmo modo em todas as regiões do país, não é falada do mesmo modo por todas as classes sociais e, além disso, passou por muitas alterações no decorrer do tempo. Ou seja, o português, como qualquer outra língua, não é estático e imutável. Assim sendo, podemos dizer que uma língua não é uma unidade homogênea e uniforme. Ela poderia ser definida como um conjunto de variedades.
            Essa diversidade na utilização do idioma, que implicou o surgimento de diversos níveis de linguagem, é conseqüência de inúmeros fatores, como o nível sociocultural. Pessoas que não freqüentaram a escola primária utilizam o idioma de modo diferente daquelas que tiveram um contato maior com a escola e a leitura. Ainda no plano social, é importante observarmos as diferenças na utilização da língua em função da situação de uso. Falamos de  um modo mais informal quando estamos entre amigos, por exemplo, e de um modo mais formal quando estamos no ambiente de trabalho. Assim, as condições sociais são determinantes no modo de falar das pessoas, gerando o que podemos chamar de variações socioculturais.
            Um outro fator determinante na utilização do idioma é a localização geográfica. Nas diversas regiões do Brasil, observamos diferenças no modo de pronunciar as palavras, ou seja, há diferentes sotaques: o sotaque mineiro, o gaúcho, o nordestino etc. Também no vocabulário observam-se diferenças entre regiões e também na fala de quem mora na capital e de quem vive na zona rural.
            Além desses fatores, é importante destacar também as variações que a língua sofre no decorrer do tempo, ou seja, a variação histórica. Por exemplo, o vocabulário muda: muitas palavras usadas frequentemente no século  XIX caíram em desuso nos séculos XX e XXI. Por outro lado, novas palavras e expressões surgiram no século em decorrência de diversos fatores, como o desenvolvimento tecnológico. Palavras como avião, satélite espacial, computador e televisão certamente não faziam parte da conversa das pessoas do século XIX...
            Esses diversos níveis de linguagem também podem ser observados no texto escrito. Ao abrirmos um jornal ou uma revista podemos perceber uma diversidade de linguagens nos diversos textos existentes: a crônica esportiva, o horóscopo, a página policial, a de política e a de economia; todos apresentam termos e “jargões” específicos da área que está sendo tratada. Essas diferenças se relacionam diretamente à intenção de quem produz o texto, ao assunto e também ao destinatário, ou seja, a quem o texto se dirige.
            Tendo em vista que existem vários níveis de linguagem, é natural que se pergunte o que é considerado “certo” e o que é “errado” em um determinado idioma. Na verdade, devemos pensar a língua em termos de “adequação”. A fim de que o processo de comunicação seja eficiente, devemos sempre ter em vista o que vamos dizer (a mensagem), a quem se destina (odestinatário), onde (local em que acontece o processo de informação) e como será transmitida a mensagem.
            Levando-se em consideração esses fatores, escolheremos uma forma adequada de estabelecer a comunicação. Por exemplo, uma propaganda de um determinado produto dirigido ao público infantil deverá ser veiculada em um tipo de linguagem diferente daquela dirigida a adultos. O meio de comunicação – rádio, TV ou revista – também deverá ser levado em conta. Ou seja, não se trata de estar “certo” ou “errado”, e sim de estar adequado, a fim de ser eficiente. Se pensarmos em termos de roupa, o raciocínio é o mesmo: terno e gravata é muito elegante, mas se vamos à praia tomar sol...
            Acontece que, normalmente, a escola nos diz que “certo” é tudo aquilo que está de acordo com a gramática normativa[1]. O problema é que, a partir dessa afirmação, somos levados a utilizar a norma gramatical em todas as situações. E, em muitos casos, a linguagem pode soar um tanto quanto “afetada”, sem naturalidade. Uma frase como “Havia muitas pessoas na festa promovida pelos alunos do curso de “Odontologia” está, seguramente, de acordo com a gramática normativa ensinada nas escolas; em uma situação de comunicação informal, porém, soará muito mais natural dizer “Tinha muita gente na festa da Odonto”, embora a gramática tradicional não aprove o uso do verbo ter como sinônimo de haver quando este significa existir.
            Não devemos concluir, entretanto, que a norma gramatical que aprendemos na escola é inútil. Ao contrário. Desde que usada no momento adequado, ela se revela extremamente útil. De novo o critério do  adequação: ao responder por escrito a questões de uma prova, por exemplo, ou em trabalhos acadêmicos, como resumos de livros, relatórios, resenhas e monografias, a norma gramatical é fundamental. Não devemos escrever de modo como falamos. A língua escrita é uma outra realidade.
            De fato, falamos de um modo e escrevemos de outro, pois língua escrita e língua falada são duas modalidades diferentes de comunicação, tendo cada uma delas suas características próprias. Quando falamos, além das palavras utilizamos outros elementos como os gestos, os olhares, a expressão do rosto e, principalmente, algo chamado entonação da frase. Pela entonação, distinguimos uma frase afirmativa de uma interrogativa, uma frase dita com seriedade de outra dita com ironia, por exemplo. Quando escrevemos, entretanto, não há mais gestos, nem olhares, nem entonação. Sobram apenas palavras. É por isso que, ao redigirmos relatórios, documentos, resenhas ou quaisquer outros tipos de texto escrito, devemos ter cuidado especial com a pontuação, a ortografia, a concordância e a colocação das palavras. Além disso, é fundamental pensar também em aspectos relacionados à estrutura do texto, como assunto (tema), a divisão em parágrafos, coesão. Do contrário corremos o risco de não sermos devidamente interpretados; nosso texto ficará confuso, comprometendo, assim, a comunicação.
            É importante ressaltar que a língua escrita não é nem mais nem menos importante que a língua falada. Não existe “superioridade” de uma ou outra. São apenas modalidades diferentes que se realizam em contextos diferentes.
            A norma culta, ensinada nas escolas, é baseada nos textos dos escritores considerados clássicos na língua portuguesa. Acreditava-se que esses textos deveriam servir como exemplos de bom uso do idioma. O tempo passou e a gramática tradicional ainda insiste em apresentar construções antigas que, embora sejam muito expressivas e de grande efeito estético, não refletem a língua exatamente como é utilizada hoje, mas como ela foi escrita em uma outra época. É natural, portanto, que haja defasagem em relação à realidade lingüística atual.
           
(Moysés, C.A. Língua Portuguesa: atividades de leitura e produção de texto. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, pp 1-2)




[1] A gramática normativa é o ramo da gramática que estabelece as regras que devem ser obedecidas por todos aqueles que desejam falar e escrever corretamente.

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